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Pós-pandemia vai exigir calma, analisa especialista

Pós-pandemia vai exigir calma, analisa especialista

Postado [0DD] de [MM2], [YYYY]|14/09/2021 00:00:00

O psiquiatra Jairo Bouer comenta aumento das síndromes de ansiedade, as consequências do "novo normal" para adolescentes, solteiros e idosos e os desafios que ainda estão por vir.

O médico psiquiatra, educador, escritor e palestrante Jairo Bouer recebeu muitas mensagens em sua caixa de e-mails e viu o número de interações nas redes sociais aumentar durante a pandemia. A enxurrada de perguntas, em sua grande maioria, era de pessoas com dúvidas pessoais, desde a vida sexual até o misto de sentimentos despertados por este momento.

Bouer, figura conhecida nacionalmente por trazer de forma prática e acessível informações ligadas à saúde mental e à sexualidade, falou sobre o peso do isolamento e das mudanças de rotina na vida dos brasileiros neste último ano pautado pela covid-19. O aumento das síndromes de ansiedade, as consequências do “novo normal” para adolescentes, solteiros e idosos e os desafios que ainda estão por vir.

A pandemia trouxe naturalmente um aumento de pressões, medos e crises de ansiedade. O senhor percebeu este aumento em sua rotina de atendimento e redes sociais?

Jairo Bouer – Percebi sim, um aumento importante na procura por informações sobre ansiedade, sintomas depressivos, estresse, nos diversos públicos e faixas de idade. Talvez ele tenha sido mais agudo em março e abril de 2020; depois, acalmou, mas a partir do fim do ano, após certa adaptação a este momento de restrições, apesar de todas as dificuldades, com a perspectiva de flexibilização, festas, viagens, eu senti que os quadros começaram a aparecer novamente de forma importante. De uma maneira geral, nesse um ano e meio aumentaram as pressões, devido a todas as mudanças que estamos vivendo. 

Quais os principais danos emocionais que a pandemia trouxe? 

Jairo Bouer – Estresse, incerteza, insegurança, medo, sintomas de depressão, tristeza, cansaço, Síndrome de Burnout, que é um esgotamento que as pessoas têm.

Os danos emocionais são visíveis, não são iguais para todo mundo, muito menos constantes ou permanentes para cada um de nós, variam. Mas, sem dúvida, algum tipo de impacto emocional a esmagadora maioria da população sentiu .

Os casais sentiram mais esse impacto? A pandemia comprometeu a intimidade? 

Jairo Bouer – Vimos de tudo. Tivemos desde casais que estavam em crise e se redescobriram e estão vivendo uma fase ótima, pois têm mais tempo para ficar juntos em casa, como também há casais que não estavam bem e, com essa proximidade excessiva, essa convivência intensa, entraram em crise e se separaram. Ao longo da pandemia, em vários países, houve aumento das separações. Temos um mosaico de possibilidades e o pulo do gato é como o casal interpretou esse momento; se entendeu as dificuldades, se apoiou um ao outro e tentou resgatar coisas que estavam complicadas.

E o sexo? Muitas queixas quanto à vida sexual?

Jairo Bouer – Da mesma forma que o relacionamento entrou em crise, a vida sexual também pode ter entrado nessa crise. Para os casais que permaneceram juntos, mas continuaram com dificuldade na esfera sexual, o recomendado é trabalhar essa dificuldade, procurar se entender e perceber o que pode ser feito para quebrar esses desencontros. Conversar e se abrir, jogar a real e até procurar a ajuda de um terapeuta online podem ser uma questão importante. Isso para os casais que realmente estão a fim de melhorar. Arregaçar as mangas e se rever emocionalmente é uma questão a ser trabalhada pelo casal.

Nessa retomada de vida, com a pandemia diminuindo, ficaram muitas sequelas emocionais, como síndromes e transtornos. Qual o caminho para tratar isso?

Jairo Bouer – Algumas sequelas vão ficar. Algumas pessoas nutrem a sensação de que ficaram para trás, perderam tempo; outras, com traumas, não querem sair de casa, estão esgotadas, podem ter alguma síndrome de estresse pós-traumático. Para essas histórias todas é importante entender como a gente está e buscar suporte, seja com redes de apoio, amigos, familiares, pessoas que estão próximas. Se isso não for suficiente, buscar ajuda de algum tipo de terapia. O caminho vai depender muito da pessoa, do que ela busca, em que ela acredita. Para os casos mais intensos, há medicamentos; os casos menos intensos podem ser trabalhados com alguma terapia ou mesmo práticas como meditação, yoga, atividade física regular, tudo isso pode ajudar a melhorar

Os adolescentes também foram privados de suas atividades. Muitos deles, no auge da vida sexual e social, continuam em casa, respeitando as restrições. Como os pais podem dialogar com esses jovens?

Jairo Bouer – As crianças e os adolescentes foram pesadamente impactados, estavam no auge da importância das interações sociais, da relação com o outro, da busca da identidade do grupo e eles foram realmente muito impactados na vida social e afetiva. Com esse prolongamento da pandemia, com esse sistema híbrido nas escolas, eles continuam com uma relação diferente da que estavam acostumados.

Os pais têm que ficar de olho, criar canais de comunicação com os adolescentes, sem serem invasivos, mas tentando acompanhar o processo. Se perceberem que eles não estão bem, devem dedicar atenção especial, criar momentos de lazer, oportunidades para que eles se relacionem com a família, estipulando interações com os amigos via redes sociais, mas sempre com cuidado para não serem invasivos.

Quem mora sozinho sentiu mais as restrições e o isolamento?

Jairo Bouer – Quem morava sozinho teve que ficar ainda mais sozinho. Isso pode gerar a sensação de que a vida está parada, as relações sociais estão muito mais distantes. Muitos estão em home office, não interagem com os colegas. A forma de tentar amenizar essa lacuna, à medida que as coisas forem se flexibilizando e as pessoas possam se encontrar, é talvez pensar em pequenos encontros em ambientes abertos, com o uso de máscara. Tentar talvez pensar em encontros virtuais, mas não só de trabalho. Fazer chamadas em grupo, de repente. Almoçar, jantar, fazer uma happy hour a distância. Se está precisando de ajuda, tem que pedir, se sente que alguém está precisando de ajuda, ofereça também. Ter essa empatia, estar no lugar do outro neste momento, é muito importante.

O público idoso, que responde por uma grande taxa de depressão, foi o mais afetado pelos casos letais da covid-19. Embora vacinados, muitos deles seguem em casa. Quando se deve buscar o suporte de um psicólogo?

Jairo Bouer – A vida deles ainda mudou muito pouco, realmente. Continuam em casa, por causa da baixa cobertura vacinal que temos, dos riscos. Classicamente, é uma faixa de idade que naturalmente tem menos interações sociais, em função da perda de amigos, parceiros. Estão mais distantes da família, dos filhos, dos netos, e a situação pode ficar mais complicada para eles. À medida que concluem a vacinação, pode haver encontros mais pontuais, com medidas de segurança. Talvez educá-los para o uso mais frequente de tecnologia, que possa aproximá-los de amigos. Ocupar o espaço com atividades laborais ou com atividades físicas, novos aprendizados, pode ser bastante importante. 

Qual a importância de eventos como o Conexão Saúde? O senhor acha que essa é uma forma de valorizar a importância do conhecimento científico e de aproximar as pessoas desse conhecimento?

Jairo Bouer – Eventos como esse, que trazem especialistas para conversar sobre como estão as pessoas neste momento da pandemia, em diversos campos da saúde, oferecendo a possibilidade de tirar dúvidas e ouvir também, são uma forma de democratizar o acesso à informação. Muitas vezes é uma informação mais crítica, já que são pessoas que trabalham na área de saúde, com conhecimento científico, combatendo fake news. Infelizmente, vivemos um momento de polarizações, que muitas vezes atrapalham a compreensão do que está de fato acontecendo. As pessoas ficam dentro de suas bolhas e têm dificuldade de furar essas bolhas para olhar o que vem de fora, ler e se informar de maneira mais profunda. Eventos como esse oferecem essa possibilidade de troca, de escutar e avaliar o que se está pensando.

O que esperar caso a vacinação evolua bem, e obtenha a eficácia esperada, ós como já ocorre em locais como Nova Iorque, onde a vida normal está sendo retomada? Quais serão os maiores desafios do mundo pós-pandemia?

Jairo Bouer – O mundo pós-pandemia vai exigir calma. Entender que as coisas não vão mudar de uma hora pra outra, que o retorno será gradual. Que o mundo não será exatamente como a gente conhecia imediatamente. Teremos idas e voltas, avanços e retrocessos. É preciso muita paciência, tolerância com a gente mesmo e com o outro. Tentar criar um ambiente melhor e mais saudável pra todo mundo. Entender que o comportamento impacta no coletivo.

Do ponto de vista de saúde mental, a mensagem que eu deixaria é que as pessoas usem da empatia, entendam que todo mundo está no mesmo momento e espaço; a gente não caminha sozinho, isso ficou muito claro com tudo o que aconteceu. Ações coletivas para impactar a vida de cada um e ações individuais para impactar a vida coletiva. Essa volta trará alguns desafios para todos nós”.

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